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Fotografias que Ninguém viu

Atualizado: 10 de nov. de 2024

Uma fotógrafa que não mostrou nada para ninguém, como ela ficou famosa e porque isso importa



Se uma árvore cai na floresta e não tem ninguém para ouvir, ela faz barulho? Se uma foto é tirada e ninguém a vê por anos, será que ela existe? É isso que eu penso quando o assunto é Vivian Maier, a fotógrafa que ninguém nunca viu. 


Ela passou a maior parte do seu tempo sendo uma babá americana de vida discreta, nos subúrbios de Chicago, trabalhando com crianças por quase toda sua vida. Ela não se destacou muito das demais babá, talvez apenas por parecer forçar um sotaque francês, mas quando estava na rua, uma coisa imediatamente mostrava quem era ela. Todos que a viram, dizem que ela estava sempre carregando sua câmera Rolleiflex , capturando cenas cotidianas das ruas, muitas vezes sem que os outros sequer notassem. 


Nessa brincadeira ela tirou, que se sabe, mais de 150 mil negativos. E não mostrou para quase ninguém. Nos dias de hoje, com o mundo sendo controlado por aplicativos de rolagem infinita, parece brincadeira tirar fotos incríveis e não postar. Mas Vivian nasceu em 1926 e tirou a maioria das suas fotos nos anos 60 e simplesmente resolveu guardar isso para si mesma. Há relatos de que ela tentou fazer com que suas fotos virassem cartões postais e que tinha interesse em seguir esse caminho, mas não seguiu.  


Vivian morreu do jeito que queria. Desconhecida, anônima, sem família e com muita coisa acumulada em um estoque qualquer na cidade de Chicago. O obituário do Chicago Tribune de 23 de abril de 2009:


“Vivian Maier, francesa de origem e moradora de Chicago nos últimos 50 anos, faleceu em paz na segunda-feira. Foi uma segunda mãe para John, Lane e Matthew. Sua mente aberta tocou a todos que a conheceram. Sempre pronta a dar sua opinião, um conselho, uma ajuda.”

E mesmo morta, e com documentários sendo feito sobre ela, muito pouco se sabe sobre essa mulher. Nem mesmo a causa de sua morte é 100% conhecida e muito menos os motivos dela fotografar. Mas a história de como ela ficou conhecida é quase tão interessante como a própria Vivian. 



Tudo começa com John Maloof, historiador e, mais recentemente, produtor cinematográfico. Ele, aos 27 anos, era presidente da associação de preservação histórica do setor NorthWest de Chicago e, naquele momento, fazia um livro sobre a cidade nos anos 60. Mas ele precisava de fotos para ilustrar seu livro e nada melhor do que ir a leilões de vendas de coisas deixadas por pessoas que não pagaram o aluguel de suas unidades de depósito (tipo uma edículo, mas um prédio só pra isso, onde várias pessoas diferentes guardam suas coisas.). Então, em 2007, ele entra na casa de Leilões RPN e dá um lance de cerca de U$ 380, por uma caixa com quase 30 mil negativos e 1600 rolos não revelados. 


Depois de inspecionar o material procurando por coisas para por em seu livro e não achar, decidiu que tinha sido um dinheiro mal gasto e largou a caixa de negativos em um canto da sua casa. 


Mas ele sentia que precisava fazer algo com aquilo, tinha uma visão de que aquilo seria valioso e então, começou a escanear os negativos. O que ele viu fazendo isso foram belas imagens e muito bem tiradas, mas uma pulga ainda estava na sua cabeça. Quando comprou a caixa, recebeu o nome da fotógrafa. Mas ao jogar seu nome no google, literalmente nada apareceu como resposta. Ele tinha a prova que alguém existiu, uma prova que nem o maior sistema de informação da terra tinha. Vivian Maier não existia, ao menos nos tempos modernos. 


John Mallof com o trabalho de Maier

E essa pulga crescia, e crescia até que ele não aguentava mais. Contatou algumas galerias, na esperança de que se pudesse expor seu trabalho, alguma informação sobre ela apareceria. Mas as fotos não foram aceitas.


Então resolveu fazer esse trabalho ele mesmo e começou a perguntar no flickr (uma rede social de fotos que antecede o instagram e não tem o único objetivo de lavar a sua mente e te vender o maior número de coisas possível) o que deveria fazer com as coisas que ele achou. Perguntando coisas do tipo:


“Esse tipo de material tem qualidade suficiente para uma mostra? Ou um livro? É comum esse tipo de obra surgir assim, do nada? Qualquer dica será apreciada” 

Recebeu quase mil respostas com dicas do que fazer, mas sobretudo, diversos elogios, principalmente pela sua composição e pela forma única que a fotógrafa via o mundo. Uma pessoa muito politizada e atenta aos problemas de sua época, suas fotos acabam fazendo uma crítica a sociedade da época. 


E desse ponto em diante, Maloof começou sua obsessão pela fotógrafa. Abandonou a carreira de historiador, transformou o sótão da sua casa em um quarto de revelação e passou a  comprar tudo o que encontrava de pertences de Maier. Isso inclui roupas, chapéus, cartas, papeis que ela guardava, sua câmera e, depois de apenas um ano de procura, ele já tinha em suas mãos mais de 100 mil negativos. 


Fez um trabalho de documentarista e caçou todas as famílias para quem Vivian trabalho e foi juntando as peças de um quebra cabeça que ele não sabia nem mesmo a imagem final. E, bem, o que ele achou foi apenas mais perguntas. 


Até hoje não se sabe muito sobre quem foi Vivian Maier. Nasceu em Nova York, de um pai austríaco e a mãe francesa, ambos proletários, que se separaram bem no começo da sua vida. Passou a infância com sua mãe nos alpes franceses, em uma pequena vila com menos de 500 pessoas. Volta pra NY em 1951 e passa um tempo sendo costureira, mas isso não é vida para ela, dizia que queria estar livre e poder ver o sol. Então vira babá e leva suas crianças para passear, sempre com a câmera no pescoço. 


Algumas das crianças que ela cuidou falaram sobre ela no doc de 2013 Finding Vivian Maier. E o que eles dizem é apenas útil para criar a figura de uma mulher mais misteriosa ainda. Tirava fotos de uma sensibilidade inigualável, mas ainda sim, andava como se fosse um soldado nazista. Sempre tinha um conselho para dar para as crianças e gostava muito de compartilhar e discutir ideias, mas não deixava absolutamente ninguém entrar em seu quarto. 


Nas partes mais sombrias de sua personalidade, surge uma mulher que detestava homens, dizia que eles apenas a usariam e deixariam lá para morrer. Em certo momentos, batia em algumas das crianças e forçou uma delas diversas vezes a terminar a comida do prato, empurrando goela a baixo o que sobrava. Também era uma colecionadora compulsiva, os poucos que viram seu quartos dizem ter visto pilhas e mais pilhas de jornais empilhados que chegavam a ser mais altos que a própria Vivian  (que tinha 1,80) 


Tirou muitos retratos e na maioria, estava em espelhos, como se apenas o que pudéssemos ver dela fosse essa imagem que não condiz com o que de fato é real. E de fatos, era uma pessoa tão reclusa que nem mesmo as famílias com que trabalho sabiam ao certo se ela era americana ou francesa. Mas ainda, escapava de sua anti socialidade para fotografar pessoas na rua. Quanto mais baixo na escala social maior interesse de Maier e maior a conexão que vemos entre fotógrafo e objeto. 


Mas mesmo com tudo isso, ainda não se sabe porque essa mulher decidiu fotografar tão incessantemente e não mostrar para ninguém. Porque resolveu colecionar momentos apenas para ela mesma. 



Muitos críticos de fotografia e até fotógrafos reconheceram no trabalho de Vivian o olhar de outros fotógrafos, mas não se sabe nem mesmo se ela sabia que forma esses outros colegas de profissão, mas o que sabiam é que ela não gostava nem um pouco de atenção. Algumas das pessoas que falaram em seu doc, diziam que se ela estivesse viva para ver o que se tornou, teria odiado. 


Mas se as fotos não são vistas, elas não existem. Mesmo que seja apenas por uma pessoa, elas devem ser vistas. Se Maloof tem a melhor das intenções propagando as fotos de Maier não importa e se ela gostaria também não importa. 


Nós como seres humanos no meio de uma sociedade milenar e capitalista, gostamos muito da ideia de que somos donos de alguma coisa. Mas se você pensar bem, não somos. não levamos nada quando morremos e o que fazemos em vida será esquecido em algum tempo.


Por isso, se Vivian gostaria das fotos publicadas não importa. por isso, se existe alguma ética no que Maloof faz não importa e é por isso que Maier se sentia no direito, assim como tanto outros (inclusive eu), de tirar fotos de pessoas que nunca mais veria e que sequer sabe o nome. 


E no fim, tudo o que importa é que em algum lugar nesse mundo, alguém se sentiu tocado o suficiente pela vida para passar o pouco tempo que tinha guardando tudo o que via. 




Veja o acervo de Vivian: www.vivianmaier.com




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